Imagine o fim do mundo. Em sua cabeça agora pipocam cenas do filme
“Armagedon”, “2012” ou versículos do Apocalipse. Meteoros, terremotos,
guerras e pragas acabam em pouco tempo com tudo o que o homem e a
natureza construíram ao longo dos séculos. A vida se extingue na Terra e
o planeta gira frio e silencioso no espaço infinito. Imaginou?
Agora imagine o fim do capitalismo. Mais difícil? Nenhuma cena lhe vem à
mente? Nenhuma hipótese? Normal. Para a maioria das pessoas é mais
fácil imaginar o fim de um planeta inteiro, do que o fim de um sistema
social. É como se achássemos que o futebol pode acabar um dia, mas o
nosso time favorito – nunca! Como se vê, não faz muito sentido.
A verdade é que o colapso dos sistemas sociais é um fato relativamente
comum na história da humanidade e muito mais provável do que a invasão
da Terra por alienígenas ou a existência do Godzila. Quando a crise
aguda de um sistema social se combina com uma enorme elevação da
atividade política das massas, que passam a intervir diretamente no rumo
dos eventos históricos, estamos diante de uma revolução social.
As revoluções ocorrem porque as classes sociais não se aposentam. A
burguesia não pode ser pacificamente convencida a ceder o seu lugar de
classe dominante aos trabalhadores. Também não pode ser expulsa
lentamente do poder com a eleição de cada vez mais e mais operários aos
cargos públicos. Ela só deixará a cena histórica à força. Dessa maneira,
a revolução não é “uma das vias possíveis” para o socialismo. É a única
existente.
Toda revolução é impossível...
O senso comum nos ensina que a revolução é impossível porque as pessoas
são acomodadas e passivas. Esse argumento tem bastante força. O
revolucionário convicto tenta responder, mas olha ao seu redor e não vê
nem traço da tal revolução...
De fato, a psicologia humana é bastante conservadora. Ninguém ama a luta
e o enfrentamento. Ninguém gosta de arriscar seu emprego em greves e
paralisações que não têm nenhuma garantia de vitória. Ninguém quer
trocar o presente certo pelo futuro duvidoso.
E, no entanto, dizemos que justamente essa mentalidade passiva e
acomodada é a razão mais profunda de todas as revoluções que ocorreram
até hoje. Podemos afirmar, sem medo de errar, que as revoluções
acontecem não porque as pessoas sejam rebeldes, mas ao contrário: porque
são conservadoras.
… até que se torna inevitável!
O conservadorismo e a passividade dos trabalhadores fazem com que a
sociedade acumule contradições ao longo do tempo. Os problemas vão se
agravando lentamente e nunca se resolvem. A população suporta o máximo
que pode sem reagir. Os políticos moderados, que prometem paz e
tranquilidade, quase sempre ganham as eleições. Os burocratas, que
odeiam as greves e só sabem dizer “sim” à patronal, controlam o
movimento sindical sem maiores turbulências. Os líderes traidores são os
mais prestigiados.
Mas qualquer mecânico sabe que quanto mais pressionada uma mola, mais
energia ela contém e quem a pressiona precisa ter muito cuidado para que
ela não voe em seu rosto de repente. Assim, esmagando-se o proletariado
durante anos e anos, chega-se a um ponto em que tudo vai pelos ares. De
um dia para o outro, as massas despertam para a vida política e saem às
ruas para tentar resolver, o mais rápido possível, todos os problemas
acumulados durante décadas de passividade. Numa situação dessas, diante
de tanto tempo perdido, é inevitável que recorram a ações radicalizadas e
a métodos revolucionários. Essa brusca mudança no ritmo de atividade
política das massas permanece incompreensível para a burguesia e seus
analistas, que atribuem a radicalização do conflito à ação de
“infiltrados” e “demagogos”.
É uma contradição: se as massas fossem sempre rebeldes, as revoluções
simplesmente não aconteceriam porque a sociedade resolveria os seus
problemas na mesma medida em que eles surgem. A energia não se
acumularia. A “válvula de escape” estaria sempre aberta, liberando
pressão social e garantindo a estabilidade da nação. A história
avançaria lenta e pacificamente, sem saltos ou rupturas. Mas o
conservadorismo das pessoas faz com que elas adiem a resolução de seus
problemas até um ponto em que a vida torna-se insuportável e a
revolução, a única saída.
Consciência e correlação de forças
Seria falso, no entanto, dizer que as revoluções acontecem apenas porque
a vida torna-se insuportável. Para que uma revolução ocorra, é preciso
que haja também uma profunda mudança na psicologia das classes. Mais
precisamente: na forma como cada classe enxerga a si mesma e as outras.
Todo o dirigente operário sabe que antes de entrar em uma greve os
trabalhadores querem saber se há mesmo condições de vencer. O outro
turno vai parar? O que diz a patronal? É verdade que a polícia invadiu a
outra planta? A federação pelega vem junto? Os trabalhadores querem
saber com que forças podem contar, qual o objetivo preciso da luta e se a
direção do sindicato está segura de si ou, ao contrário, vacilante.
Assim raciocinam os trabalhadores diante das greves. Nas revoluções não
é diferente.
Graças à ideologia dominante, as massas tendem a acreditar muito mais na
força de seus opressores do que nas suas próprias. Para que uma
revolução ocorra, é preciso que isso mude e que os trabalhadores passem a
enxergar a possibilidade de vitória. Por outro lado, a burguesia,
sempre decidida e coesa, precisa estar em crise, dividida, acoada,
amedrontada por sua própria impotência. Junto com isso é preciso que as
classes médias e os pequenos proprietários, que sempre seguiram a
burguesia, olhem com simpatia para o proletariado e suas organizações,
ou ao menos se mantenham neutros no conflito. O que provoca todas essas
mudanças na consciência das classes é a situação objetiva: a crise
econômica, social e política.
Por último, o medo e a divisão da burguesia precisam contaminar as
forças armadas, principal pilar de qualquer Estado. Assim, os órgãos
repressivos também se dividirão e não serão capazes de deter a marcha do
movimento de massas.
Ou seja, é preciso que se inverta a correlação de forças entre as
classes a favor do proletariado. As classes precisam trocar de papel,
como naqueles filmes em que as pessoas trocam de consciência e passam a
pensar uma com a cabeça da outra. Toda essa complexa combinação de
fatores pode ser bastante rara, mas não é de nenhum modo impossível. De
tempos em tempos ela ocorre. Toda a história o demonstra.
Liderança e organização
O senso comum nos ensina que a revolução é impossível porque não há um
líder. Essa afirmação é parcialmente verdadeira e, portanto,
parcialmente falsa.
Para o bem ou para o mal, a história demonstra que as explosões
revolucionárias acontecem mesmo sem a existência de uma liderança
central. Aliás, esse tem sido o grande problema das revoluções: as
massas saem às ruas, derrotam exércitos, derrubam regimes e governos,
mas não conseguem encontrar uma saída para a situação. A energia
revolucionária se dispersa como o vapor saindo de uma panela de pressão
mal vedada.
A liderança e a organização são necessárias não para a existência da
revolução, mas para que ela seja vitoriosa. Ora, o que é um líder? É
aquele que aponta um caminho, que organiza as forças e estabelece os
objetivos do combate, que reúne as tropas após a batalha e resume as
lições de cada luta. É evidente que as massas precisam disso para
vencer.
Toda revolução cria milhões de pequenos líderes que cumprem essas
tarefas. Eles surgem naturalmente em cada bairro, fábrica e escola e
conduzem as massas em suas ações cotidianas. Mas as redes horizontais
não bastam. A revolução não acontece no facebook ou no orkut. Ela
precisa de uma estrutura vertical, que organize o proletariado em todo o
país e seja capaz de, uma vez derrubada a ordem vigente, estabelecer o
seu próprio governo em todo o território nacional. Chamamos essas
estruturas de organizações de duplo poder, pois elas rivalizam com o
Estado burguês, disputando com ele o controle da sociedade.
Ao longo da história, essas organizações surgiram em praticamente todas
as revoluções e receberam distintos nomes: soviets ou conselhos na
Rússia de 1917, cordões industriais no Chile dos anos 1970, comitês de
fábrica na Alemanha dos anos 1920 etc. A crise do Estado burguês e a
autoridade dessas organizações perante as massas fazem com que elas se
tornem verdadeiros “Estados paralelos”, emitindo ordens, controlando
parte da economia, criando milícias armadas etc. A burguesia vê tudo
isso, reclama, esperneia, mas nada consegue fazer. A tomada do poder
pelo proletariado deixa de ser um sonho distante e torna-se assim uma
tarefa possível e urgente.
Mas tudo isso não basta. É preciso que à frente dessas organizações
estejam líderes conscientes, que tenham clareza dos objetivos, que
saibam onde querem chegar e por que meios, que saibam propor às massas
as tarefas mais adequadas para cada momento. Em outras palavras, é
preciso que as organizações de duplo poder sejam dirigidas por um
partido revolucionário, disciplinado e combativo, democrático e
operário. Todo o heroísmo e a melhor organização do mundo não são nada
sem um programa.
Revolução e violência
O senso comum nos ensina que a revolução é ruim porque derrama sangue.
Esse argumento soa estranho, sobretudo se olharmos para as favelas do
Rio de Janeiro, por exemplo, que não vivem nenhuma revolução, mas onde o
sangue dos trabalhadores é derramado todos os dias pelo caveirão, pela
milícia e pelos traficantes.
Mas a verdade é que a resposta a esse argumento é: depende. Os
revolucionários não são amantes da violência, assim como os operários
não organizam piquetes nas greves porque gostam de bater em seus
colegas. É uma necessidade da luta.
Não podemos prometer uma revolução “bonita”, “de veludo” ou qualquer
outro adjetivo fofo. O proletariado não tem bons modos, talvez porque a
burguesia nunca o tenha ensinado. O que podemos dizer é que quanto mais
massivo for o apoio à revolução, menos sangue ela derramará. Durante a
tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia em 1917 morreram sete
pessoas, a maioria atropelada acidentalmente pelos blindados que
patrulhavam as ruas da capital. A burguesia simplesmente se escondeu. Já
na Guerra Civil, organizada pelo imperialismo para derrotar a república
soviética, morreram milhões. Quem exerceu a violência foi a
contra-revolução, não o proletariado.
Vitória e derrota
A tomada do poder pelo proletariado não encerra a revolução. Ao
contrário. As massas tomam o poder porque chegam à conclusão de que sem
ele não conseguirão resolver seus problemas mais elementares: comida,
paz, terra, liberdade etc. Dessa forma, a instauração do poder operário
abre uma nova etapa no processo revolucionário: a etapa das medidas
revolucionárias, da ditadura do proletariado. Nessa etapa, as massas se
enfrentarão com todo o tipo de inimigo e adotarão todas as medidas
necessárias à vitória: a expropriação da burguesia, a planificação
econômica, a resistência armada etc.
Assim, para triunfar definitivamente, a revolução precisa se aprofundar
dentro do país e se expandir para fora dele, rompendo o cerco
imperialista. A sobrevivência da revolução depende de sua capacidade de
contaminar outros territórios, em primeiro lugar os países imperialistas
mais importantes. Somente assim é possível atar as mãos e os pés do
imperialismo e evitar o contra-ataque. Como no futebol, “quem não faz,
leva”. A revolução não admite retranca. Qualquer tentativa de
“convivência pacífica” com o imperialismo significará a morte lenta da
nação proletária. A revolução será internacional ou será derrotada.
Revolução e futuro
A burguesia prefere ver o fim do mundo do que o fim do capitalismo.
Talvez porque entenda corretamente que o fim do capitalismo será para
ela o fim do seu mundo. Mas só para ela. Para o proletariado, ao
contrário, o triunfo da revolução será apenas um novo começo,
significará o término da pré-história do homem e o início da verdadeira
história da humanidade.
Henrique Canary